Nas últimas duas décadas tem sido muito evidente a relação constante de trabalhadores de até cinco gerações diferentes em uma mesma empresa. Isso tem um impacto profundo na cultura das organizações.
O slogan da Missel, consultoria da qual sou sócia, é “Porque empresas são pessoas”. Acreditamos que esse mix geracional é a principal mola propulsora das organizações. Lidar com os desafios que essa realidade traz para a gestão de pessoas é ponto crítico para o sucesso e desenvolvimento sustentável.
Mesmo enxergando o desafio com essa abordagem, ainda questiono grandes líderes constantemente sobre o papel dos recursos humanos dentro desse contexto. Certa vez, conversando com Sr. Clovis Tramontina, presidente do Grupo Tramontina, líder de uma potência de mais de 110 anos, ouvi palavras muito sábias oriundas de sua simplicidade e experiência na coordenação de um negócio centenário. Clovis disse: “Investir nas pessoas é o melhor negócio, é o que faz a diferença. As máquinas, os prédios, os equipamentos e as linhas de produtos ficam obsoletos. A essência para as grandes mudanças está no comportamento das pessoas”.
Clovis, desta forma, explica com simplicidade a razão pela qual a cultura das organizações é diretamente impactada pelo comportamento das diferentes gerações. Assim como as gerações vêm de épocas diferentes e apresentam comportamentos diferentes, as empresas também se transformam constantemente revendo conceitos, adaptando processos e modelos de gestão para continuarem inseridas na nova realidade.
Por isso, trago aqui um estudo comparativo de algumas características dos líderes conforme a geração de que fazem parte (décadas do nascimento).
Nascidos em | GERAÇÃO BABY BOOMER
1940 – 1959 |
GERAÇÃO X
1960 – 1979 |
GERAÇÃO Y
1980 – 1994 |
GERAÇÃO Z
1995 – 2010 |
CARACTERÍSTICAS
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– período pós guerra, ditadura
– idealistas – revolucionários – coletivos – consumo da ideologia
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– período de transição política, hegemonia do capitalismo
– materialistas – competitivos – individualistas – consumo do status |
– globalização
– estabilidade econômica e internet – abstratos – questionadores – globais – consumo de experiência |
– tempos de pandemia
– crise na economia global – estímulo aos empregos informais – nativos digitais, hiperconectados – valorizam a expressão individual, rejeitam os rótulos e preferem menos confronto e mais diálogo – pragmáticos para decisões e também com as empresas – necessidade de pertencimento – motivação de consumo é a busca pela verdade |
ESTILO DE LIDERANÇA PREDOMINANTE | – hierarquia ligada aos cargos
– foco no resultado e não nas pessoas – autocrática – lidera equipes mais submissas e com menos iniciativa – máquinas são prioridade
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– forte hierarquia
– liderança mais participativa – maior foco nos resultados e menor atenção às pessoas – mais liberdade e flexibilidade para as equipes – supervalorização do trabalho
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– hierarquia pelo exemplo e conhecimento
– Líder Coach, muito foco no desenvolvimento e carreira – equipes mais participativas – atenção ao bem estar pessoal |
– Líder Facilitador que dá o exemplo, orienta e acompanha o desenvolvimento
– compartilha informações – faz gestão da diversidade – lidera equipes colaborativas, multifuncionais e ágeis – liderança remota – estruturas flexíveis – verdade e transparência – gestão humanizada
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Analisando o estudo comparativo, podemos perceber que fatores globais relacionados à economia, movimentos sócio-culturais, evolução tecnológica, além de outros, moldaram diferentes gerações e impulsionaram visões e comportamentos que influenciam fortemente no modelo de liderança vigente.
Por isso, quero compartilhar cinco características da Geração Z identificadas em um estudo realizado pela Mckinsey, em parceria com a Box1824, agência de pesquisa especializada em tendências de consumo, comportamento e inovação. São características que contribuem para a profunda transformação nos modelos tradicionais de empresas e de liderança, que vem se atualizando através do uso de tecnologias avançadas para reinventar produtos e serviços.
- O pensamento digital – característica desta geração, que é a 1ª nativa digital, não viveu no mundo analógico e muitas vezes nem consegue compreendê-lo. Isto também favorece o desenvolvimento da capacidade de rapidamente interligar informações e encontrar soluções digitais para problemas antigos, o que agiliza inclusive o crescimento das organizações.
- Busca pela verdade – A motivação de consumo é baseada na ética. É também extremamente inclusiva, não fazem distinção entre amigos e convivem em comunidades. Cria laços de relacionamento e vínculos a partir de interesses comuns.
- Autenticidade – Não tem uma única maneira de ser e procuram “ser quem são”, buscando por cada vez maior liberdade de expressão. São considerados influenciadores de todas as outras gerações em diversos aspectos relacionados ao futuro.
- Acesso x Posse – O consumo é mais direcionado ao serviço e menos propriedade. Estamos diante de um novo modelo de consumo que modifica a estrutura de desenvolvimento e entrega das empresas. O consumo colaborativo evolui para uma oportunidade de renda adicional como streaming de vídeos e assinaturas.
- Nova relação com o trabalho – Seus princípios buscam equilibrar a vida pessoal e profissional, o online e offline, a família e o home office, a qualidade de vida e jornada de trabalho, sempre com foco em flexibilidade e performance para resultado.
Uma pesquisa realizada pela Deloitte estima que a Geração Z já ocupa mais de 20% dos postos de trabalho no mundo. Isso determina mudanças contundentes tanto nas estruturas e nos processos corporativos quanto nas relações profissionais.
Para melhor compreendermos estas mudanças, vamos alinhar o conceito de cultura organizacional. Ela é um conjunto complexo de valores, crenças, práticas e ações que refletem a forma como uma organização funciona.
Podemos concluir que vivemos em uma era na qual a evolução das empresas passa por uma transformação cultural, a chamada 4ª Revolução Industrial. Isso implica também em uma transformação de pessoas, redefinição de conceitos, novas regras formais e informais e preparação de um novo mindset.
Essa necessidade da transformação das pessoas é comprovada em outra pesquisa, também realizada pela McKinsey. Os resultados apresentam o relacionamento com o gestor como o principal fator de satisfação do funcionário no trabalho, e a satisfação no trabalho é o segundo fator mais importante no bem estar geral do funcionário, atrás apenas da saúde mental. Ainda na mesma pesquisa, os números vão contra essa tendência e revelam que 75% dos entrevistados manifestaram que a parte mais estressante do seu trabalho é a relação com o líder imediato.
O ingresso da Geração Z no mercado de trabalho, com características tão peculiares, será uma excelente oportunidade para acelerar a transformação cultural e das lideranças daqui para frente.
Imagem: freepik / gpointstudio
*Simoni Missel é Sócia Diretora da Missel, Psicologa, Coach Executiva e Especialista em Gestão de Pessoas.